Tenho Transtorno Bipolar... e Compro Demais. E Agora?
- karinasantosdemelo
- 4 de mai.
- 3 min de leitura

Imagine estar no auge da empolgação, sentindo-se capaz de tudo, com pensamentos rápidos como um redemoinho, ideias grandiosas e um desejo incontrolável de fazer o que der na telha. Agora imagine que, nesse estado, você sai comprando tudo o que vê pela frente — roupas, eletrônicos, objetos que nem precisa — como se o amanhã não existisse. Para muitas pessoas com Transtorno Bipolar, essa cena não é ficção. É realidade.
A compulsão por compras é um dos comportamentos impulsivos mais frequentes durante os episódios de mania ou hipomania. Nesses períodos, é como se o mundo ganhasse mais cores, mas as bordas da realidade ficassem desfocadas. A pessoa se sente no topo, segura de si, cheia de energia, dormindo pouco, falando muito. E junto com esse "pico", vêm atitudes sem filtro, como gastos excessivos, sexo sem proteção, uso de substâncias, entre outros riscos.
Foi exatamente isso que aconteceu com Laís, uma jovem de 22 anos, diagnosticada aos 19 com Transtorno Bipolar tipo I. Em um surto maníaco, ela gastou mais de R$ 20 mil em compras sem necessidade. Sentia-se poderosa, animada, imbatível. Só percebeu as consequências depois, quando a conta chegou — e com ela, a culpa, o medo, a vergonha, a tristeza. Como ela mesma relata, o que parecia liberdade era, na verdade, um pedido de socorro silencioso.
Quando comprar vira alívio — e depois castigo
A relação entre transtorno bipolar e compras compulsivas pode ser devastadora. O problema não é apenas gastar, mas o que isso representa emocionalmente. Em momentos de euforia, comprar pode parecer uma forma de expressar potência. Já na fase depressiva, pode virar uma tentativa de preencher um vazio, aliviar a dor ou adormecer a ansiedade. Mas o que vem depois é quase sempre o mesmo: dívidas, brigas familiares, culpa, autocrítica, vergonha.
E aí entra o ciclo: culpa → tristeza → nova crise → novo gasto → mais culpa. Uma roda gigante emocional que desgasta a pessoa e quem está ao redor.
Diagnóstico não é sentença. É ponto de partida.
O diagnóstico do transtorno bipolar pode assustar no início, mas também traz clareza. Entender que esse padrão não é “frescura”, nem falha de caráter, mas um quadro de saúde mental que precisa de cuidado, muda tudo.
O tratamento combina medicação (prescrita e acompanhada por psiquiatras) com psicoterapia. Na terapia Cognitivo Comportamental, por exemplo, é possível identificar gatilhos, trabalhar impulsos, desenvolver autocontrole e encontrar estratégias saudáveis de lidar com as emoções.
Além disso, contar com o apoio da família, ter uma rede de acolhimento, conversar com quem compreende a vivência bipolar — tudo isso fortalece a jornada. Alguns pacientes entregam cartões de crédito a familiares, fazem listas antes de ir às lojas, bloqueiam sites de compras nos momentos de crise, ou criam um “tempo de espera” antes de qualquer gasto. Pequenas atitudes podem funcionar como âncoras em meio à tempestade.
Para quem ama alguém com bipolaridade
Se você convive com alguém que tem esse diagnóstico, saiba: você não está só. E o amor que sente pode ser mais útil quando vem com informação. Estude sobre o transtorno, pergunte como ajudar, observe os sinais das fases. Em vez de julgar, ofereça presença e escuta. Às vezes, o simples “estou aqui” já segura o chão.
Nem tudo que reluz é impulso
Nem toda compra é compulsiva, claro. E nem todo sintoma quer dizer mania. O que importa é estar atenta(o) à frequência, ao impacto e ao sofrimento que aquilo causa. Se há prejuízos financeiros, emocionais ou sociais, é hora de buscar apoio.
Com acompanhamento e cuidado contínuo, é possível retomar o controle da vida, dos afetos e das finanças. Como diz uma frase que gosto muito: “A gente não escolhe as tempestades que enfrenta, mas pode aprender a navegar com coragem.”
E, sim, há vida — com afeto, dignidade e beleza — mesmo com diagnóstico.